Sempre fui a “queridinha” da mamãe. Era o que meus irmãos diziam. Talvez por eu ter nefrite, uma inflamação que ataca os rins.
Eu devia ter uns nove anos quando fiquei muito inchada. Eu tinha que usar roupas das irmãs adultas. Me tratava com um médico, que se chamava Dr. Abraão, na cidade de Louveira. Como o tratamento não resolvia, fui internada em um hospital de Campinas. Depois de 15 dias internada, voltei para casa, mas com um regime rigoroso. Não podia comer nada com sal, nem tomar água. Acredito que o medo de me perder fez minha mãe se dedicar mais para as minhas necessidades do que para as necessidades dos meus irmãos. Daí a atenção especial.
Em um dia de Natal, meu pai trouxe três caixas com bonecas, sendo uma maior e duas menores iguais. Quando vi a maior, já gritei:
― A maior é minha!
E meu pai dizia:
― Não, filha, a maior é da Dirce. ― Minha irmã mais velha.
Eu chorava:
― Quero a maior!
Mas minha mãe logo interferiu:
― Deixa a maior para a Lucinda.
Meu pai se virou para a Dirce e disse:
― Fica com a menor, deixa a maior para a chorona.
Quando abrimos as caixas, vi a diferença: a minha era maior, mais feia e sem cabelos. As bonecas pequenas eram lindas, mexiam os olhinhos e tinham roupas bonitas. A minha tinha os olhos pintados e marcas de cabelos na cabecinha de borracha. Daí, eu não queria mais a grande, mas meu pai não me deixou trocar, e tive que ficar com a boneca feia.
Lembro-me também de um Natal em que ganhei um Papa Fila, um ônibus grande. Até hoje não entendi o porquê de meu pai comprar este presente só para mim… Acho que foi outra lição da qual não me lembro…
| Autora: Lucinda Cantoni Lopes. Educadora social. Está presidente do CEDECA Jundiaí. Faz parte do Conselho Estadual da Pastoral do Menor e da Diocese de Jundiaí-SP.
| Edição e revisão: Gi Ferreira
Comments